Psicogênese da paranoia proposta por Freud a partir da interpretação do caso Schreber
4 de março de 2023Por Larissa Mallmann F. A. Brandão
Psicanalista e terapeuta
Sigmund Schlomo Freud, nascido numa família judaica em 1856, na cidade Freiberg, na época pertencente ao Império Austríaco, foi um médico neurologista e psiquiatra que, ao criar a teoria psicanalista, revolucionou o entendimento sobre a psique humana.
A Psicanálise tem o seu início como um ramo da Medicina cujo foco era investigar as causas dos chamados “fatores psíquicos”, bem como as formas de intervenção para modificá-los e, eventualmente, removê-los. Contudo, para que fosse possível compreender a psique humana a fim de tratar as então denominadas “doenças nervosas funcionais”, era preciso chegar a uma teoria científica que explicasse a dinâmica do funcionamento e adoecimento da mente. Sigmund Freud foi o expoente mais influente nesse percurso científico ocorrido em fins do século XIX e início do século XX.
Aos 17 anos, Freud iniciou a sua formação na Escola de Medicina na Universidade de Viena, onde graduou-se em 1881. Em 1882, tomou conhecimento do método de base hipnótica empregado pelo neurologista vienense Joseph Breuer na jovem Berta Papenheim, paciente de Breuer que sofria de histeria e que, mais tarde, ficou conhecida pelo pseudônimo de ‘Anna O’. O caso clínico de Berta tornou-se emblemático pela importância da sua contribuição para o desenvolvimento da psicanálise.
Entre setembro de 1885 e fevereiro de 1886, Freud conquistou uma bolsa acadêmica para estudar com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que utilizava a hipnose para fins científicos no Hospital da Salpêtrière, em Paris. Em sua passagem pelo Pitié-Salpêtrière, Freud constatou que até então a explicação das paralisias histéricas se limitava a uma fórmula reducionista que asseverava que estas provinham de ligeiros distúrbios funcionais em regiões gravemente danificadas no cérebro. Contudo, de forma paradigmática, naquela mesma década de 1880, duas lições fundamentais puderam ser extraídas do hipnotismo aplicado à ciência médica: primeiro, a ocorrência de mudanças somáticas geradas unicamente por influências mentais; e, segundo, a existência de processos mentais que somente poderiam ser descritos como “inconscientes”.
A hipnose também provou ser um auxílio valioso no estudo das neuroses, principalmente da histeria. No entanto, embora não se possa denegar a importância do papel desempenhado pelo hipnotismo na história da origem da psicanálise, a partir de 1896, Freud deixou de utilizar o método hipnótico e passou a dedicar-se tão somente ao método da associação livre, por meio do qual pôde delinear a sua teoria.
Em 1900, Freud apresentou a Teoria Topográfica com a publicação da obra “A interpretação dos sonhos”. De acordo com a construção freudiana proposta nesta primeira tópica, a organização psíquica estaria dividida em três instâncias interligadas entre si, com funções específicas na mente: o Inconsciente (Ics), o Pré-consciente (Pcs) e o Consciente (Cs).
Contudo, com o transcorrer da sua prática clínica e o aprofundamento das suas análises, entre 1920 e 1923, Freud remodelou o entendimento sobre a estrutura do aparelho psíquico enunciado pela Teoria Topográfica e formulou a Teoria Estrutural da Mente, na qual estabeleceu os conceitos de Id, Ego e Superego.
De acordo com a Teoria Estrutural, o Id, Ego e Superego funcionam em diferentes níveis de consciência, havendo um constante movimento de lembranças e impulsos de um nível a outro.
O Id corresponde a uma instância psíquica mais profunda, alheia à moral, identificada como um reservatório inconsciente de energia psíquica e dos impulsos primitivos. Absorvido e comandado pelo prazer, o Id exige a satisfação imediata de suas pulsões, sem preocupação efetiva com os meios e sem considerar consequências indesejáveis. Por essa razão é descrito como uma instância regulada pelas necessidades psicológicas mais básicas (fome, sede, sexo) e cuja sobrevivência é a sua força motriz principal. Segundo Freud, a repressão desses desejos mais intensos e primordiais tenderia a provocar efeitos que vão do nervosismo comum até as mais graves psicoses.
Por sua vez, o Ego opera principalmente em nível consciente e pré-consciente, embora também contenha elementos inconscientes. Orientado pelo princípio da realidade e da lógica para o entendimento, o Ego é a instância que refreia os impulsos do Id – tal como um filtro repressivo de desejos inadequados. Deste modo, o Ego controla o Superego de forma a evitar que este se torne um controlador excessivo e, assim, possibilita a atuação do Id de forma saudável e segura.
Finalmente, o Superego possui uma consciência parcial e tem como função orientar o Ego nas relações sociais. Também é a fonte dos sentimentos de culpa e medo de punição. Pode-se entender o Superego como um moderador da personalidade, que tem como princípio a moral e os códigos de conduta. Consequentemente, o Superego atua como um protetor do Id, evitando que ele tome decisões por impulso e que possam colocar em risco a personalidade do indivíduo como um todo. No entanto, o Superego não é capaz de impedir, necessariamente, a tomada de decisões emocionalmente equivocadas.
Deste modo, a base da construção freudiana acerca do modelo estrutural da personalidade se fundamenta nas necessidades inconscientes, ou impulsos biológicos, principalmente sexuais, que seriam as principais causas da motivação e da personalidade. Conforme aponta Mezan (2007), “a teoria apresenta uma visão do ser humano como movido por forças que desconhece, tendo ao mesmo tempo que lhes oferecer alguma gratificação e restringir tal gratificação aos limites do permitido pela vida em sociedade”.
Por fim, importa salientar que a teoria psicanalista foi sendo aperfeiçoada com o passar do tempo, tanto pelas descobertas e conhecimentos desdobrados por Freud como pelos seus discípulos. Mas, em suma, a essência da sua importância persiste a mesma, conforme enunciado pelo seu fundador, Sigmund Freud, na Conferência 35 (Freud 1932, SA I, p. 587; BN III, p. 3191-2.): “a contribuição da Psicanálise à ciência consiste precisamente em ter estendido a investigação ao território do psíquico”.
Referências
FREUD, S. O ego e o ID e outros trabalhos. VOLUME XIX (1923-1925). Imago Editora.
MEZAN, Renato. Que tipo de ciência é, afinal, a Psicanálise?. Nat. hum., São Paulo, v. 9, n. 2, p. 319-359, dez. 2007.